Um terço das empresas que já aderiram ao programa Crédito do Trabalhador, lançado em março, registrou casos de inadimplência. O dado faz parte de um estudo do Serasa Experian feito com 550 organizações, que também mostra que 46% delas ainda não conhecem ou não sabem detalhar o funcionamento da nova modalidade.
O programa visa simplificar a contratação do crédito consignado privado por quem é CLT, trabalhador de aplicativo, trabalhador doméstico, rural e Microempreendedores Individuais (MEI). Mas as empresas empregadoras têm relatado mais episódios de inadimplência por conta de falhas ligadas à plataforma do que por incapacidade de pagamento dos trabalhadores.
Segundo a pesquisa, 65% dos casos decorrem de erros sistêmicos ou operacionais, como atrasos de informação entre o RH e a instituição financeira (30%), falhas de integração com o eSocial/Dataprev (22%) e problemas no desconto em folha (13%). Outros 33% estão ligados a problemas de pagamento por parte do funcionário.
Antes, o consignado privado dependia de um convênio direto entre empresa e banco. O empregador é que ajustava com a instituição financeira certas regras como a data de corte da folha de pagamento, a forma de repasse e de conciliação, explica Délber Lage, CEO da Salaryfits, empresa da Serasa.
Agora, o fluxo se inverteu. Os bancos aderem ao programa e o trabalhador, pela Carteira de Trabalho Digital, solicita uma proposta de crédito e escolhe onde contratar. A empresa é notificada para efetuar desconto em folha, limitado a 35% do salário.
Mas, para que o processo funcione, a empresa precisa já ter alimentado o Emprega Brasil com as informações necessárias para que elas sejam escrituradas no eSocial. Na outra ponta, as instituições financeiras só acessam esses dados via Dataprev.
— O RH passa a ter um conjunto de obrigações gigantesco, com muitas rotinas operacionais. Os gestores precisam conhecer profundamente a folha de pagamento, saber o dia de corte, buscar a conciliação, pagar as guias do consignado. Muda muito a rotina do RH — explica.
Outro fator que trouxe mais complexidade para a modalidade é o fato de que qualquer banco agora pode ofertar crédito consignado para qualquer empresa.
— Bancos que nunca operaram com certas empresas passam a ofertar crédito. Uma pesquisa nossa mostra que 67% dos novos empréstimos são feitos por bancos que nunca haviam se relacionado com aquela empresa. Isso gera mais volume de transações, mais players e num cenário que as empresas ainda estão aprendendo as novas rotinas.
Juros mais altos
Os números confirmam esse cenário de adaptação. De acordo com o estudo do Serasa, das 297 empresas que já estão familiarizadas com a plataforma, só 25,8% disseram conhecer bem o programa. Outras 28,2% dominam só o básico para aplicar o recurso.
As empresas de médio porte são as que mais têm dificuldades, seguida das pequenas (com 28,6% dos casos) e das grandes (com 24,3%). A inadimplência é mais alta entre empresas do Nordeste (42,1%) e do Sudeste (33,3%). Por comparação setorial, indústria (38,6%) e varejo (48%) concentram a maior parte dos casos.
As dificuldades operacionais relatadas também ajudam a explicar o comportamento dos juros nessa fase do programa. Em março, a taxa média de juros do consignado privado era de 44% ao ano, segundo dados do Banco Central. Desde a chegada do programa, porém, os juros têm subido. Em outubro, a média chegou a 59% ao ano.
Para Lage, o aumento dos juros na modalidade de crédito tem relação clara com o período de adaptação ao novo modelo. Além dos riscos que já existiam no modelo anterior - como a chance de demissão, licença e eventuais problemas financeiros da empresa -, somaram-se agora as falhas operacionais, que ampliam a inadimplência, e a entrada de um volume maior de novos tomadores, com perfis de risco ainda pouco dimensionados pelo mercado pela ausência de informação.
Com a ampliação do programa, trabalhadores que antes não tinham acesso ao consignado passaram a contratar o recurso. Muitos deles com score baixo. Uma pesquisa anterior do Serasa mostrou que 44% dos novos tomadores tinham score 400 ou menos.
Outro ponto é o custo da assimetria de informação. Os bancos passaram a ofertar crédito a empregados de empresas com os quais eles nunca haviam se relacionado e, pelo desconhecimento, tendem a calibrar juros maiores. Nas palavras de Lage, é uma combinação entre perfil de risco mais alto, falhas operacionais e custo dessa assimetria de dados.
Apesar disso, o executivo acredita que, em um horizonte de 12 a 18 meses, a taxa média dos juros do consignado privado tenha uma correção. Isso porque é esperado que o mercado aprenda a operar o modelo, os RHs das empresas se adaptem às novas rotinas e mais informação circule no sistema.
— A nossa avaliação é de que o mercado, inclusive, vai segmentar. Ou seja, perfis distintos de empresas e trabalhadores devem ter taxas diferentes conforme o risco.
A regularização do FGTS como garantia do empréstimo, que ainda carece de definição do governo, também deverá ajudar na redução dos riscos. Mas, segundo Lage, até para que a operacionalização da garantia ocorra, é preciso que o gargalo básico do sistema esteja resolvido.
Fonte: Pequenas Empresas & Grandes Negócios